terça-feira, 16 de junho de 2015

Ressaca





Pela falta de THC, álcool
Para a falta de álcool, omeprazol
Pela falta de açúcar, comida
Para a falta de libido, álcool
Pela falta de contato, facebook
Para a falta de sono, álcool
Pela falta de nicotina, açúcar
Para a falta de endorfina, THC
Pela falta de álcool, paracetamol
Para a falta de sexo, xvideos
Pela falta de riso, netflix
Para a  falta de suspiros, nicotina
Pela falta de informações, twitter
Para a falta de sono, cafeína
Pela falta de mim, você.


Desejo é falta, e o vazio tem fome.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Escala Maior

Seus olhos piscam ao contrário.
É deles que a fala escapa,
nascendo das pupilas dilatadas.
Com calma, mergulho nos dois poços.
São bem maiores que as íris azuis,
buracos engolindo oceanos.

A música é companhia, escape.
Ela aquieta o sol dentro do estômago.
Quanto mais alto do lado de fora,
mais silêncio do lado de dentro.

Abafa assim, entre tom e semitom
O barulho maldito, constante
do coração querendo escapar
do fluxo teimoso de sangue,
ansioso em lamber o piso.

O sorriso perfeito é distração.
O canto é regra e controle.
Domada, a voz obedece cada nota.

Mas eu consigo ver o tremor nos lábios.





quarta-feira, 6 de maio de 2015

Ambidestria



~
Começa a mover os pulsos. O barulho das juntas estalando dá cadência ao ritual. Carinhosamente folheia o caderno, observando as diferenças de caligrafia nas páginas mais antigas. Com a caneta aninhada nos dedos, testa a força do pulso, variando de acordo com os gemidos do papel. Não há pressa. Ao escrever, o punho alisa as letras e encobre cada palavra bem no momento de seu parto. Saboreando as expressões, a mão esquerda goza lenta, respirando fundo, abocanhando palavra por palavra. É com segurança que as linhas de nanquim vestem o hoje com a roupagem do ontem. Quando escreve no caderno, sua mão direita se rende e engole, submissa, todas as metáforas mal elaboradas da canhota. Orgasmos profundos ocorrem no meio da tinta.  

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No teclado do computador os dedos pressionam rapidamente as teclas, marcando com um simulacro de tinta um simulacro de folha de papel. A tipografia, simétrica e racional, purga o que normalmente surfa nas fibras de celulose e endireita os garranchos, desnudando calculadamente as palavras. Ao observar o recorte preciso de suas irmãs, que pulam de um lado a outro movidas pelo cursor, as palavras, acuadas, se aliam com mais força umas às outras. Florescem e produzem significados bem elaborados, frases longas e coerentes. As duas mãos na frente da tela gozam alternadamente, várias vezes. Esta dança se prolonga pelas madrugadas, deixando o hoje dar mordidas cegas no amanhã. O gozo no teclado é bruto, exibicionista, bom de ler. 


Em ambos o estômago aperta, sentindo o beliscão constante do ato de escrever. Experiências distintas unidas pela presença do ponto final.