terça-feira, 30 de novembro de 2010

Mais fundo

Um mergulho no escuro opaco, faminto. O cigarro aceso é torre de babel, farol mentiroso erigido apenas para desmoronar línguas de povos mortos, deserto de corpos entre os entulhos do cinzeiro. Do meio da aridez escapa uma tinta negra, incapaz de preencher qualquer coisa, borrão burro patinando conteúdo misturado e confuso. Flashes espaçados, últimas brasas titubeantes, série de significados estilhaçados em cores desbotadas apenas o suficiente para não fazer sentido. Com histórias incompletas pendendo dos lábios, balbucia pueril sons abafados de quem não sabe falar ainda mas já viveu demais.
Os olhos apertados entre os dedos amarelos. As unhas cravam nas pálpebras uma série de runas cuneiformes. Escorrendo entre os espasmos, restos de possibilidades, todas incompletas, cinzas inúteis levadas pela chuva. Entre as palavras quebradas e os pés presos ao chão, noites abafadas e o luto ressentido: uma praia vazia, janelas apagadas, livros mofados.
Desce lentamente, ouvindo a repetição bárbara do não, do impossível imposto antes mesmo de qualquer tentativa. Chora. A cabeça dói e a pele se rompe entre as unhas, enquanto cai indefinidamente num poço de água amarga, sentindo as unhas se desfazendo nas pedras.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Aborto

A rotina odiosa dá gosto amargo a qualquer letra: morre a academia afogada em bile peçonhenta, morre a literatura comida por mofo e morre a escrita rangendo os dentes em silêncio, levando consigo qualquer fagulha de superação. O texto não nasce, sai espasmático e já fedendo a putrefação.