segunda-feira, 24 de maio de 2010

Na Balada

Eram onze e cinquenta e três da noite quando entrou no bar. O lugar já envolto em vapores: respiração, álcool, cigarros. Chegava o momento da noite no qual as pessoas pareciam começar a despontar de seus casulos de solidão. O álcool começava a fazer efeito, e os grupos fechados de amigos apresentavam uma sombra de abertura para os outros grupos solitários. E ela entrando ali, com sua sobriedade, seus cabelos ainda cheirando a condicionador. Entrou destemida, soberba, como se procurasse alguém. Escondia no rímel e delineador o olhar assustado de quem não tem com quem contar.

Por que aquele bar? Jukebox, pista de dança, luz negra, sofás vermelhos, pessoas com calças apertadas e poucos sorrisos. Seria por isso? Seria apenas essa materialidade que deu o sentido à madrugada de quinta-feira? No fundo sabia que não. Do centro de sua garganta tentavam subir as cruas verdades sobre expectativas e idealizações. Comprou uma cerveja para botar as verdades em seu lugar (ao lado da gastrite eterna), percebendo assim os olhares desconfiados se afastarem dela, feito cães. Claro, eles em uma rápida e eficaz manobra lógica pensaram todos juntos como num coral: 'ela está a espera de alguém'. Não deixava de ser verdade, em algum aspecto. Ela esperava, acariciando o pescoço long neck, algum daqueles estranhos sair por um instante de toda a encenação noturna possibilitando assim algum tipo de troca ali no balcão do bar.

Olhava a garrafa cerveja havia quinze minutos. Em algum lugar da festa, várias vozes cantavam desafinadamente uma música qualquer do AC/DC. E a cerveja ali, suando, parindo todo aquele tédio em gotas transparentes. Nunca se deu bem em festas, naquelas cheias de gente desconhecida desinteressante e desinteressada em conhecer qualquer um que não responda às suas expectativas nos primeiros 10 segundos de contato...Mas que merda, a quem queria enganar? Esperava também, no balcão grudento esperava, na garrafa úmida e no ar carregado esperava, esperava em alguém o ar seco e deserto, talvez amargo e cativante, esperava com a mesma intensidade daquela gente toda, acompanhando com os saltos o ritmo da música, numa mímica mal feita dos gestos ensaiados daqueles grupos seriados sorridentes e sociáveis.

E já não havia mais pedaços de unha comestíveis, e os cigarros já haviam salpicado os dedos, não mais dando conta de sua nobre função de ratificar a solidão; perdiam o sentido num lugar planejado para, teoricamente, interagirmos. E a maldita música agora com solos e gestos frenéticos dos grupos lutando para esquecer uns aos outros, a mesma música repetida pela terceira vez. Quem cuidava daquela porra de jukebox? Todos cantavam desesperados, espantando com as mãos o silêncio que os faria refletir sobre o nada em que flutuavam. E ela ali, contando as gotas sumindo no guardanapo, ponderando como iria embora e quanto tempo mais duraria aquilo tudo.

-Oi tudo bom?
-Oi.
-Massa a música né?
-É, talvez.
-Você tá sozinha?
-Não, tô esperando alguém.
-Ah tá. Posso te pagar uma cerveja?
-A minha tá na metade ainda.
-Ah.
-Me dá um cigarro?
-Pô, nem fumo...
-Ah.
-Acho que vou ali botar alguma coisa na Jukebox.
-Vai lá.
-Tchau.

Ele voltou pro grupo, gingando, cheirando a chiclete de frutas. Pegou uma moeda e botou pra tocar AC/DC.