quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Exercício de Observação #2

O ônibus entra no túnel de madrugada. As luzes amarelas ferem meus olhos acostumados ao escuro da viagem, e o vejo ali, exposto, envolto numa aura estranhamente uterina. Tudo é dourado, macio, tudo menos os cabelos negros, famintos, sugando em ondas o ponto de luz branca emitido pelo aparelho caro de mp3.
Nas mãos brancas, dedos nervosos, impacientes. Dedos de unhas roídas. Daqui posso ler o que escuta; movimentos quase imperceptíveis acompanham a música : Sour Times, Portishead. As coisas derretem ao redor de suas mãos, na luz leitosa do aparelho, e o sorriso no escuro -dirigido a quem?- também reflete algumas faíscas.
Fim do túnel. A luz branca contrasta com o escuro novamente, perdendo a característica confortável de antes, refletindo em sua pele de forma dura, fria, o transformando de possibilidade quente em mármore frio, morto. Nada mais faz sentido agora : nem a ressaca de suspiro em meu peito, nem o balançar nauseante do ônibus, tampouco o balbuciar dos seus lábios rosados ao som de outra música, outro mundo, outra qualquer. Pára de mexer no aparelho e o ponto de luz some. Por um instante somos um só: eu, ele, poltronas, asfalto. Minhas pupilas novamente se adaptam, silhuetando tudo em azul escuro e cinza. Mais propício, impossível.

"Covered by the blind belief,
That fantasies of sinfull screams,
Bear the facts or soon will die,
End the vows no need to lie
Enjoy

Take a ride, take a shot now,
cos nobody loves me, it's true,
Not like you do"

Portishead - Sour Times

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Exercício de Observação #1

Então saiu caminhando por aí. As vozes ainda ecoavam na parte de trás da cabeça, lá onde ecos indistinguem-se de restos bem reais de vivências. Gotas grossas caíam com força, e chovia de baixo pra cima, já que tudo eram poças quebradas pelos gordos pingos. Ecoavam as palavras, retumbavam os silêncios. Saiu a caminhar assim, plácida. Os nadas entre uma idéia e outra já tinham definido tudo aquilo há muito tempo atrás. Há muito sabia do resultado, há muito construíra aquela caminhada quase serena pelas calçadas sujas, incomodadas pela súbita exposição diante de tanta água, tão calma por milésimos antes do cair espalhafatoso das granadas do céu. Pareciam cusparadas.
Já sabia as palavras que iria dizer, mecânicas; já tinha certeza das que ele responderia. Só não sabia que as calçadas gritariam angustiadas muito mais do que ela, às vinte horas e cinco minutos da quarta-feira.
Os momentos anteriores eram muito mais reais agora : o roer dos cantos das unhas, muitos deles já ensanguentados; os vários litros de café, a pequena pilha de guimbas de cigarro. Deve ter visto um ou dois conhecidos no popular bar da faculdade, e as palavras ditas eram agora tão enevoadas quanto a fumaça que soltava incessantemente pelas ventas. Não percebera várias coisas, remoendo o discurso já pronto. Seus conhecidos, os sapatos sujos de lama, ou a mim, observando-a.
Não acompanhei a conversa, ou os silêncios. Não vi o tremor das suas mãos, não vi o outro maço de cigarros (comprados no mesmo bar) sendo consumidos vorazmente. Eu já caminhava pra casa, quando a notei, na calçada oposta. E é claro que identifiquei o andar plácido, claro que vi os grossos pingos molhando as meias brancas. Claro que vi. Vi e uni a mim os gritos espelhados das calçadas. Claro que quis chutar as poças, correr até ela, claro que quis lavar suas mãos cheirando a nicotina na chuva inconveniente, abraçar sua angústia, sacudir a maldita placidez das almas que morrem para longe de seus olhos molhados.

Tudo que fiz foi oferecer uma carona no guarda-chuva. Ela não aceitou.


"Mouthful of cavities
Your soul's a bowl of jokes
And everyday you remind me
How I'm desperately in need
(...)
I write a letter to a friend of mine
I tell him how much I used to love watch him smile

See I haven't seen him smile in a little while

Haven't seen him smile in a little while"

Mouthful of Cavities - Blind Melon

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Cotidiano.

Engulo a seco os pedaços mal mastigados de pão de queijo. A tia maternal da cantina não demonstrou muito interesse em mim. Imagino quantas filhas ela já não tem, e quantas, em tempos de cabelos mais negros, desejou ter. O clima úmido dos arredores deste lugar se mistura a esparsas baforadas do cigarro caro, transformando-se numa fumaça viscosa que lambe meus dentes. Estou cercada de cachorros marrons, vira-latinhas amáveis e famintos; infelizmente não comem cinzas de cigarro como eu. Escuto partes de conversas animadas e me pergunto como, neste ar molhado e frio , podem florescer ânimos tão coloridos. "Itália e Portugal, claro!" como não percebi antes? Os ânimos deles são mais adaptáveis que o meu, instável como o clima desta ilha frágil. Assim que me acostumar à dor nos ossos , consonante com as fungadas de nariz, surgirá um dia quente, talvez seco: então reclamarei, também em metáforas, das axilas suadas e de quem consegue se refrescar conversando sobre outros países de clima mais ameno.

domingo, 28 de setembro de 2008

Dia novo

Um dia aprenderei a olhar além. Além das minhas retinas, além dos meus preconceitos, além das vivências limitadas que sempre sonhei serem maiores. Talvez eu enxergue mais longe que a pele, talvez eu perceba, além dos dentes, o sorriso. Um dia perceberei o voar implícito em cada asa, a lágrima não nascida no olho, o não espaço entre os abraços. Para mais longe que esta pele, estes dentes, esses vazios, estas retinas cansadas. Um dia real e muito além das minhas expectativas; um dia além de mim, novo, cheirando a alecrim. Um dia de muitos outros. Não menos meu, não menos eu: um dia nosso.



"Mas é nelas (bocas e mãos,
sonhos, greves e denúncias)
que te vejo pulsando,
mundo novo,
ainda que em estado de soluços e esperança."


Ferreira Gullar

sábado, 16 de agosto de 2008

Sangria

Toda vez que eu penso que não dá mais, que a fonte secou, eu sangro. É um expurgo, um lento escorrer, uma aplicação de sanguessugas digna das épocas mais medievais. Toda vez que vislumbro um abismo eterno sem letras, sem a boa, velha e batida combinação de sangue, suor e lágrimas, e toda vez que encaro o desespero por simplesmente ter murchado elas vêm. Vêm arcaicas, ainda com acentos, brincando, pulando , rolando agressivas e belas como uma trupe de ciganos bêbados. E tudo o que eu posso fazer é sorrir amargurada e começar a digitar, em arroubos agitados, dedos correndo mais rápido ou mais devagar de acordo com a respiração irregular, como quem sufoca os pulmões com ar, como quem soluça. Hiperventilando, o cérebro lentamente se entorpece do que tenho todos os dias, mas que não me afeta mais, ou comove. Do que está lá, a espreita, como a brisa, como os olhares, ou como as ausências. E que volta e meia ressurge, etéreo como uma matilha de cristos no meio de toda essa penumbra, de todo esse nada. Durou uma música.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Primeira sessão (por Alice)

Mais uma noite nessa cidade suja. As coisas têm sido diferentes, desde que Juliano sumiu. Tenho tido pesadelos desde então. Pra que diabos aquele velho imundo me disse as regras da pós-vida se nem ele mesmo as segue? Idiota. Estou cercada de idiotas. Ele me disse o nome do príncipe disso aqui, e cheguei à conclusão de que é necessário dar algum jeito de me apresentar a ele já que o velho não o fez. Isso provavelmente irá emputecê-lo, ele que sempre me disse que na verdade não importa muito o que os poderosos pensam. Bom, importa quando é a minha cabeça que está em jogo. Idealismo é uma coisa, estupidez é outra.
Lá estava eu , perto daquele boteco conhecido pela bebida adulterada e música ruim. Nunca fui de festas em minha juventude, sempre tiveram gente demais, e o lugar fedia a humanos ; o cheiro dos meus ratos é mais agradável que essa mistura doce de perfume barato e goma de mascar. Bom, lá estava eu, passando e procurando alguém que pudesse me arrumar alguns trocados. (Não que eu precisasse deles, mas velhos hábitos são difíceis de mudar. Trocados, alguns ml de vitae... tudo a mesma merda.) De repente, o fedor se acentuou, e qual não foi a minha surpresa ao ver um ser enorme saindo carregado dali. Na verdade a surpresa não deu por esse fato, afinal tem muito pouca coisa que não vi nessa vida. O que me impressionou foram os comentários dos amiguinhos do brutamontes, que estavam indignados por "um cara tão pequeno conseguir dar uma porrada tão forte". Meus sentidos nunca me enganaram, e não seria dessa vez que deixaria de chutar que havia sangue de vampiro incluso nessa história. Ou isso ou algum mestre chinês de alguma arte esquecida. Seria interessante da mesma forma.
Talvez um cainita soubesse por onde anda o inútil do velho (nunca deixei de me impressionar com os contatos estranhos dele), ou como eu pudesse chegar até o tal do príncipe. Devia ser proibido isso, idiotas com informações úteis. Bom, ouvi o que os caras tinham falado, e sabia que em breve aquele boteco sujo se sujaria mais ainda, provavelmente com estilhaços e coisas mais orgânicas. (Já vi essa pintura em muitos asfaltos por aí...) Sentei no bar, tentando ignorar o fuzuê desse bando de gente, esperando apenas a estupidez dos outros fazer o seu papel. Obviamente, não demorou muito. O grandalhão que entrou me apontou o 'fracote que batia muito', e após errar um tiro miseravelmente percebi que se eu quisesse alguma coisa do bonitinho fracote eu teria que agir. Não foi muito difícil chamar alguns "reforços", heh. A cara do grandalhão ficou mais bonita coberta de baratas. Após alguns momentos, percebi que se não falasse com o bonitinho naquela hora tudo estaria perdido. A cara dele no meio daquela balbúrdia já me dizia bastante, ou apenas o suficiente : "quero sair daqui". Escapatórias nunca foram problema pra mim, e alguns momentos depois estávamos longe do lugar. Junto dele estava outra bonitinha, que pela forma como me olhava e pelas roupas que vestia parecia mais uma daquelas gurias que não sabem porra nenhuma da vida. Ao menos da vida de verdade, longe de vitrines e últimos gritos da moda. Sempre odiei essa gentalha fútil, mas como o bonitinho não parecia querer abrir mão dela, me contentei em ignorar sua presença.
Chegando ao apartamento incoerente ao tamanho do ego da bonitinha ( pequeno, apertado e cheio de coisas baratas disfarçadas de caras) comecei a me divertir com a estupidez do pequeno. Sempre soube que gente jovem era burra, mas não saber direcionar a vitae para fechar feridas foi o ápice. Por um instante percebi que o velho não me fora tão inútil assim. "Sempre haverá alguém mais incompetente na pós-vida", dizia ele. Tinha razão.
Não foi muito difícil retirar as informações de que necessitava do bonitinho. Ele não sabia muita coisa, mas ao que parece a mentora incompetente dele tinha contatos com o príncipe da cidade. Dentre as muitas coisas que ele não sabia se incluía noção de tempo. Três noites? Três porras de noites? O que ele achava que era? Um mortal, ainda? Idiota. Não quis mudar o prazo, afinal o bonitinho era burro e esquentado, eu poderia fazer a vontade dele por algumas vezes para evitar alguns hematomas depois. E já tinha me divertido bastante com o o teatro da vitae e enfiando aquela pinça enferrujada na ferida dele. Hehe, idiota.
A noite continuava , escorrendo devagar entre as odiosas luzes dos postes. Junto a ela, o medo, pulsante nas minhas têrmporas, substituindo o sangue que não passava mais ali. Precisava continuar à procura do Juliano, ou pelo menos de uma forma de me apresentar ao príncipe. Novamente, os bons lugares pra procurar eram os bares mais porcos nos bairros mais pobres da cidade. Não demorou muito até eu encontrar o feioso das baratas e mais algum cara grande e inútil por ali. Sorrateiramente escutei a conversa deles, que eu já chutava ser algo relativo ao bonitinho. Planejavam atacar a casa dele, com um monte de gente junto, provavelmente naquela noite ainda. Merda, o bonitinho morto não me seria muito útil. E a julgar pela sua ignorância a respeito das coisas da pós-vida, não duvido que ele apanhasse de um monte de mortais. E lá fui eu mais uma vez, tentar diminuir a merda espalhada pelos outros. Cheguei ao endereço do bonitinho (um apartamento tão ordinário quanto o da bonitinha fresca) bem antes dos brutamontes. No dia que resolverem se importar em fechar as saídas do esgoto eu tô fudida. Se bem que até onde sei essa não é a preocupação do atual prefeito, nem vai ser.
Quem atendeu a porta foi um cara grande, com dentes de cavalo. Coisalinda. Tinha a inteligência de um quadrúpede, também. Não escutou meus conselhos, claro. Nem sei porque ainda tento ser racional com esse tipo de gente. Foda-se também, ver o circo pegar fogo é sempre mais divertido. Se eu percebesse que o bonitinho (que eu nem sabia se estava lá) estava em real perigo, o ajudaria novamente. Carros, fumaça, fogo, sangue, tripas. O natural de uma noite por aqui, e nada do bonitinho aparecer. Quem eu vi foi uma mulher, dando uma surra bem bonita naquele bando de marmanjos. Interessante, com certeza. Bom, informação de mais cainitas não me seriam inúteis, e assim que percebi que o pior já tinha passado, fui lá bater novamente na porta (ou no que restava dela). O senhor dentes-de-cavalo sobrevivera àquela merda toda. Resolvi arriscar, então. Um breve brilhar de olhos foi o suficiente pra que ele deixasse de me ver como apenas uma mendiga velha. Lá dentro estava a mulher que eu tinha visto antes, e não demorou muito até eu perceber que ela era a mentora incompetente. Agora fazia mais sentido o bonitinho ser tão burro : ela não ficava muito atrás do etereótipo "bata antes e pergunte depois". De qualquer forma, ela se ofereceu pra me apresentar ao príncipe. Boa menina, aquela.
Agora, é só esperar até o dia certo. Eu, meus ratos e os pesadelos...


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Relato da primeira sessão de RPG, jogando com a Alice, minha personagem de Vampiro: a máscara. Ela é uma gangrel mendiga, velha e rabugenta, que fuma um cachimbo 8D. Depois falo mais dela (ou não).

terça-feira, 24 de junho de 2008

Insônia.


Sonhos confusos e sexuais. No silêncio das madrugadas, espero o teto escuro do quarto esvanecer, lentamente, as imagens surreais. Diluir visões baseadas no nada, esperar o real sufocar o que não existe apenas com sua concretude. Tolice. Faz tempo que sonhos não me perturbam tanto. Talvez, talvez... a gama caleidoscópica de possibilidades tilintam, pedaços de vidro em asfalto quente, flamejante. Com os olhos acostumados à escuridão, as formas são quase nítidas, distorcidas em sua falta de cor; tudo é cinza, preto e azul. Eu gostaria de abrir as janelas, deixar essas imagens correrem para fora, corcéis desembestados entrando em outros quartos e deflorando sonos alheios, com seus gemidos e fluidos corporais. Não as abro, é claro. Meus edredons pesam duzentos quilos, e estou presa ao calor que morde minhas coxas.
É engraçado como passam as madrugadas. Com meus amigos descorados antevejo uma série de acontecimentos, e todos são tão possíveis quanto etéreos, das duas às cinco da manhã: um período, no mínimo, pulsante. E, no mundo pegajoso composto de bocejos suspirantes, finalmente volto a dormir. Obviamente, o despertador toca em seguida, martelando metalicamente em meus ouvidos os primeiros raios da manhã.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Evolução

O uso escuso, dissimulado. A fome, estanque, imunda, corroboradora de vísceras podres de abortos naturais. Nojo, nojo da baba viscosa e quente, escorrendo lentamente milímetro por milímetro, lasciva, fétida. Aos poucos se torna um, outro, vários no mesmo ser humano, uma figura tão díspare de todo resto que revira as tripas dos ditos normais. Lentamente caminha, trôpego, cada paralelepípedo sorrindo para ele com dentes de escárnio e olhos quebrados. Maldita cidade corriqueira e sobrevivente, pulsante, acumulando pus nas infecções como ele. Poderia ser considerado um objetivo de vida, aquele: expelindo bile negra por todos os poros, evoluir de gangrena a tumor.
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Coisa (nem dá pra chamar de texto) escrita no sick, em uns 9 minutos.




Não gosto de pimbas nem de chuva em Florianópolis.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Água?

Chove, após o inferno. A água acumulada nos meus pulmões finalmente se transformou nesses cáusticos pingos sobre minha cabeça, e hoje o dia é muito mais cinza. Chove, nada é limpo, tudo apenas se derrete num amálgama explicitamente azedo, cor de bile. Lentamente as angústias acumuladas se transformam em matéria líquida, pronta a esterelizar a terra negra que quase grita aos primeiros pingos. É um final de dia mentiroso, daqueles em que a realidade não parece aguentar mais existir. Nele afogo sem piedade.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Projeto Leitura de Férias – "O General em seu Labirinto" – Gabriel García Márquez

Último do projeto de leitura de férias, O General em seu Labirinto é um livro ligeiramente fantasioso mas altamente baseado numa pesquisa bem coerente que o autor fez sobre os últimos dias de Simon Bolívar. Eu gostei bastante pelo teor da informação, já que eu (oh, a vergonha) sei bem pouco (pra não dizer quase nada) sobre a história da América Latina. Ter novos tipos de informação que deveriam ser básicos pra mim passados pelo senhor Marquéz foi uma experiência bem agradável, já que dentre várias descrições das viagens e trâmites políticos que se passavam enquanto Simon Bolívar dava seus últimos passos pela terra Gabriel às vezes coloca o toque sutil dele, contando 'causos' da vida do general ou características da cidade em que ele se encontra com a forma única de descrição que lhe é característica. É engraçado, ao ler esse livro não pude deixar de comparar o personagem principal a um outro general, o do "Outono do Patriarca". Eles são absurdamente diferentes um do outro, mas com peculiaridades bem parecidas. Pena que não terminei de ler esse segundo livro pra poder desenvolver mais essa idéia; acho que daria pra fazer parâmetros bem legais. Bah, tentarei fazer assim mesmo e arriscar a crucificação pelas moscas que frequentam meu blog: no "General em Seu Labirinto" o autor usa o tipo de narração parecido com o "Notícia de um Sequestro", bem factual e conciso, com umas pinceladas coloridas aqui e ali. Acho que isso se deve ao fato de ambos serem baseados em fatos reais, e o autor ter um lado jornalista bem apurado. Já no "Outono do Patriarca", cujo tema é bem parecido com o "General em seu Labirinto" ele muda completamente o tipo de narrativa, fazendo períodos infinitos e uma sucessão de metáforas que chegam a deixar quem lê tonto (ao menos foi o meu caso). Queria saber as motivações que o levaram a mudar tanto a narrativa de um livro pro outro...Mas bem, deixando de teorias e análises absurdas sobre a forma de escrever do autor e voltando ao que interessa: o personagem principal é bem desenvolvido -como sempre-, a história fica meio confusa às vezes porque não é completamente linear, mas isso não é um fator negativo, já que deixa a leitura mais interessante. Gostei bastante de ver o esforço do autor a se manter fiel aos registros da vida do Bolívar, se baseando em suas muitas mil cartas e estudos acadêmicos sobre o homem, não se limitando aos fatos e cidades em que esteve mas também nas suas manias e caprichos, como a sua forma de falar e se portar. Fazer tudo isso com base histórica deve ter dado um puta trabalho...Também a idéia de retratar um lado não muito visto do personagem principal, como seus últimos dias, vividos no esquecimento, pobreza e doença, não os dias de glória ou à sua futura fama pós-morte, foi um aspecto muito legal e bem típico do Gabriel García Márquez. Obviamente recomendo a leitura, mas quando se trata do Gabriel eu sou suspeita pra falar...

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Projeto leitura de férias - "Dance dance dance"- Haruki Murakami

Esse livro é a continuação do "Caçando Carneiros". Bom, eu não gostei dele não. Vários foram os motivos, mas acho que o principal (ou um dos) foi o fato dele ter mudado bastante a narrativa... os toques surreais que ele colocou no outro volume simplesmente não estavam lá, quase não houveram diálogos a lá Pulp Fiction... Ele introduziu personagens interessantes, mas toda vez que eles iam conversar parecia que o autor queria repassar as próprias conclusões sobre a vida e relacionamentos por meio deles, o que muitas vezes não condizia com as descrições que ele tinha feito dos personagens; não gosto disso. Uma personagem legalzinha foi a Yuki, uma menina de 13 anos bem mimada, mas que perdeu o brilho ao sempre fazer as perguntas 'certas' pro personagem principal responder com a mensagem do autor por trás. Até a idéia principal do livro (que inspirou o título Dance dance dance) quase que rescinde a auto-ajuda. O ápice dessa impressão de 'olha eu sou o autor e quero aparecer' foi quando ele colocou um personagem cujo nome é um anagrama com as letras do nome do próprio Murakami. Péssimo.
Os elementos que ele colocou pra dar toques mais coloridos à trama foram muito mal explicados, não de forma a criar uma dúvida legal que nem no outro livro, apenas pareceu que ele jogou cenas desconexas a toa, tudo ligado por algo meio espírita no meio(o que não explica, justifica ou é divertido de forma nenhuma, só cria "verdades absolutas"insossas), sem contar que apesar da desconexão das cenas certas coisas ficavam bem previsíveis.
As personagens do Caçando Carneiros que reapareceram pareciam outra coisa, só ligadas ao primeiro livro pelo nome. Paradoxal, não? Afinal não haviam nomes no primeiro livro... Mas o que aconteceu foi: o autor pegou e falou 'mulher de orelhas mais bonitas do mundo' no segundo livro, e aí eu pensei 'ok, eu sei quem é essa'. Em seguida deu a ela um nome e uma história e bem,matou a personagem, que já não tinha NADA a ver com aquele ser sem nome mas com diálogos interessantes do primeiro livro.
A parte que mais gostei foram as explicações por meio de exemplos de como funcionam os principais mecanismos do capitalismo hoje em dia (exemplos dados pelo personagem principal a pedido de Yuki por meio de perguntas convenientes), que eu achei bem legais, mas porque me interesso por isso. Não sei se quem ler quer saber o tanto que o autor entende de economia global.
A leitura não foi chata nem nada, a fiz em poucos dias varando madrugadas, mas foi bem decepcionante. Na minha cabeça ficaram as impressões 'carência do autor' 'pressa' e 'editores cobrando outro best seller'. Blé.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Projeto leitura de férias : "Gozo Fabuloso" - Paulo Leminski

Esse livro é algo controverso, pelo que acabei de ler no seu posfácio. De acordo com ele, Leminski não costumava escrever contos, e não obstante isso costumava criticar muito o gênero. Mas não é sobre isso que vou falar (apesar de que se eu soubesse disso antes teria lido com outros olhos), e sim da minha impressão sobre o livro.
Como eu já disse, é um livro de contos, ou seja, muitas histórias começadas, poucas desenvolvidas e algumas -só algumas- finalizadas. Típico de contos. Eu tenho certa agonia de ler esse tipo de escrita, pois não consigo mergulhar tantas vezes em personagens tão diferentes, que nascem e morrem tão facilmente. Tanto que demorei horrores pra terminar esse livro, visto que eu o fechava depois de dois ou três contos com uma confusão na minha cabeça, uma mistura de alívio, tristeza por me despedir tão rapidamente de personagens tão interessantes e fascínio pelas várias brincadeiras de narrativa que o autor faz, indo de fofocas entre deuses até histórias melancólicas sobre diários de pessoas doentes, passando por cachorrros e latidos e até conversas entre computadores (não pessoas por trás de computadores, computadores mesmo). Eu não vou me atrever a eleger um melhor conto. Eles são diferentes demais pra eu nivelá-los ao meu gosto só por estarem no mesmo livro... Foi uma experiência interessante, mas como eu já disse, conturbada. Tive várias idéias pra complementar os contos que acabam de repente, idéias que desapareceram por completo assim que eu começava a ler outra história.
Às vezes acho que o Leminski fez isso de propósito, pra brincar e rir da cara de quem lê, os fãs dos contos até então tão criticados por ele. O tom varia demais de conto pra conto, isso é difícil de fazer. Geralmente um autor tem o mesmo tom em vários livros, é como se o tom fosse algo extremamente pegajoso, não sei explicar direito. E em "Gozo Fabuloso" mudar o tom, de alguma forma, parece algo que se faz com olhos fechados e em uma perna só. Eu não sei nada do Leminski, do que ele tava passando na vida quando publicou esse livro, nem quanto tempo ele demorou pra fazer essa coletânea, mas é essa a impressão que ele me passou. A de que mudar o tom das coisas é fácil...Logo vários pontos pro cara.
Talvez eu precisasse escrever alguma coisa toda vez que terminasse um conto, daí minha opinião seria um pouco mais elaborada e válida. Lerei novamente esse livro um dia, isso é certeza. Outra certeza é a de que eu me diverti em vários deles, e a facilidade de Paulo Leminski brincar com as palavras é inegável. Tenho uma parca lembrança de ter lido em algum lugar que ele também era poeta... se for, tá explicado. Recomendo a leitura, pra quem tem facilidade de se desapegar às coisas, ou dificuldade pra se apegar a elas (afinal um pouco de conturbação não mata ninguém).

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Boêmia, escoteiros e corais: um bom começo de 2008.



Um pedaço do musical 'Rent', que vi ontem de madrugada enquanto minha cabeça giraava, e girava...Quis colocar aqui pra poder lembrar depois, afinal eles capturaram bem o clima das festas que se passarão no bar do Seu Almeida, um dos personagens de Changeling da aventura que tô parindo. Aliás, ontem na festa, conversando com o escoteiro e com os cantores de coral (que acompanhavam o musical fazendo uma performance ao vivo só pra mim -a única pessoa semibêbada acordada-), eu tive bem a idéia de como devem ser as infusões de glamour tão faladas no livro. Divertido bagará, e uma boa forma de começar 2008. Nada como ser nerd e bicha e pensar em aventuras de rpg vendo musicais... ^^