sábado, 29 de dezembro de 2007

Projeto leitura de férias : "Caçando Carneiros" - Haruki Murakami

Então, terminei esse livro hoje e me surgiu a idéia de registrar o que tenho lido nessas férias. Não será algo como resenhas não, só a minha impressão do que tenho lido. Caso saia algo a lá 'leituras recomendadas' achado em revistas semanais, não foi essa a intenção.
Bom, o livro do Haruki Murakami não é o primeiro que leio nessas férias, mas o fato de ter me dado vontade de registrar em algum lugar a sensação de o ter lido demonstra que ruim ele não é, na minha singela opinião. A obra tem uma narrativa rápida e gostosa de ler, que começa com capítulos bem curtos e sucintos que aos poucos vão se encompridando à medida que a trama da história se desenvolve. O engraçado é que a história é meio absurda, mas isso não é contado de forma extravagante ou cinematográfica. O autor conseguiu focar mais nos detalhes do cotidiano (que expressam muito bem cada personagem) do que nos fatos correlacionados esquisitamente e que levam a acontecimentos mais estranhos ainda, envolvendo carneiros e grandes corporações. É legal que ele meio indiretamente expõe isso, pois o personagem principal (que é o narrador da história) mantém um relato minucioso de quantos cigarros costuma fumar durante o dia, ou suas refeições e a forma de prepará-las mas esquece (ou se lembra muito depois) de informações que o ajudariam muito em sua busca, que teria tudo pra ser o ponto alto da história, já que é quase uma fábula. Outro detalhe legal é que nenhum dos personagens tem nome. Confesso que me assustei um pouco quando li essa particulardade do autor nas orelhas do livro, mas isso não se mostrou empecilho nenhum ao reconhecimento de cada personagem.
Dei algumas boas risadas com os diálogos, que me lembraram bastante os de Pulp Fiction devido às argumentações sérias a respeito de temas absurdos. Divertido bagará. Isso me fez simpatizar um monte com o personagem principal, a portadora das orelhas mais bonitas do mundo e com o motorista do carro, que aparece poucas vezes mas marca presença em todas elas.
No verso e nas orelhas (escritos pelo editor), o livro é colocado como um retrato do "niilismo pós-industrial japonês", marcado por impessoalidade, fetiches por marcas e outras coisas mais. Nem senti isso não. Apesar do autor não explorar características extremamente pessoais, sentimentos e as relações entre os personagens de forma descarada, ele demonstra a humanidade deles de outra forma, como nos atos e nas comidas que o personagem principal prepara. O autor usa uma linguagem sem muitas firulas, mas isso não me passou a impressão de automatismo dos personagens ou coisas do tipo. Já li muitas coisas que demonstram um Japão e uns japoneses muito mais frios, levados por marcas, niilistas consumistas pós-modernos, etc -o que inclui revistas de moda de lá-. O livro tem um tom bem triste em certas partes (creio que foram nelas que o editor se inspirou), mas nada que não se veja no nosso dia-a-dia de cidade grande. Há uma ligeira sombra de crítica à sociedade capitalista, mas só fica nisso mesmo, ligeira sombra. Uma penumbrinha, eu diria até.
Enfim, eu recomendo a leitura.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Bom dia

Não sabia o que dizer, o que pensar. Violência, claro; Antiga, a mesma que a retirara do útero. Os olhos, abertos e cegos por toda aquela luz. Os ouvidos, repentinamente alertas. Ambos imersos num nada irracional de susto; sufocados por todo aquele monte de informação crua, dolorosa, desnecessária. As ondas sonoras se mesclavam, mecânicas que são, aos seus sentidos, ansiosos por deixarem sua primeira função e voltarem à segurança quente das cobertas. Exatamente a mesma força, a mesma viril e bruta força que a puxara de uma só vez pelo corte na barriga. Não sabia o que dizer, mas sabia como: o grito saiu então como quem respira, natural, límpido e claro. Saiu, como quem nasce, em busca de algo para cessar tudo aquilo, se erguendo numa cortina que fingia ser muro. Achando que em um grito se podia engolir o mundo, com todas as suas velharias. Tolice. Então, o medo, medo da montanha de raiva e pêlos que agora se impunha diante dela, pulsos em riste, ameaças gritadas e pequenas bolas de cuspe se grudando em seus globos oculares. Não ousou sequer piscar, e a face dele adquiriu o formato de algum tipo de aberração achada em livros de rpg. Nova velha violência, e o silêncio. Bom dia.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

De volta pra casa.

Adoro a sensação de final de semestre. Misturadas à gastrite -que perdurará durante as férias- sempre está um novo fôlego vindo sei lá de onde. E a perspectiva da volta pra casa, tão diferente a cada vez. Vou rever pessoas queridas, não ver pessoas queridas, talvez (re)encontrar pessoas que já foram as mais queridas, evitar as que não são mais. Aos poucos, essa expectativa se torna menos apavorante e mais gostosa, mesmo que com ela venham as tão temíveis decepções. Ainda há pra quem voltar, e ora pois, sempre haverá. Ao menos nos próximos dez anos, enquanto a morte não diz olá pras pessoas mais queridas eternamente, enquanto os caminhos das ainda queridas pessoas não se separam definitivamente -como ocorreu com algumas-, enquanto os das não mais queridas simplesmente perdem toda a cor, e claro, o sentido. E ainda assim, quando tudo humano tiver virado pó ou se perdido no meio dele, ainda haverá ela, com suas retas e aquele céu que me arranca pelo menos um suspiro por vez. No dia em que as entranhas de Brasília morrerem, ainda haverá sua casca, que está também esculpida nas minhas tripas, de uma forma muda e pulsante. Afinal, é nas folhas secas e ruas largas que meus pés aprenderam a andar. E não há como não ser delicioso e dolorido toda vez.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Texto aleatório

As mãos dela escorriam friamente até o chão, e dali para todos os bueiros fétidos das piores partes de cada uma das maiores metrópoles. Se misturavam ao mijo, aos restos de drogas, à porra e a vários tufos de pêlos. As mãos dela escorriam, apalpando cada um desses dejetos, batendo palmas de vez em quando, no ritmo cadenciado do coração dos coléricos. E cada vez mais rápido, aplaudiam, e cada vez mais forte, o sangue era bombeado em suas têmporas. Suas mãos estavam escorrendo, e nada as impedia. Gota a gota fria lá se iam suas unhas, dedos e cutículas. E ela sentia as texturas todas, das pontas das seringas usadas aos infinitos coliformes fecais. Tudo deixando uma intrincada tatuagem no seu cérebro, enquanto lentamente ela deixava de ser alguém (lá se iam, uma por uma, suas muitas impressões digitais). Era o preço a se pagar, por ousar encostar no mundo. Tudo era tão bonito que ela não deixou de sorrir, enquanto o ralo se tingia de vermelho.


(bla bla blá. Eu sei.)

sábado, 27 de outubro de 2007

From a seed to a tree

Sempre percebi as relações, livros, fatos, músicas e tudo mais como pedaços de um mosaico em constante atualização. Todo mundo tem o seu, com pitadas mais coloridas ou não, com muita ou pouca música, com relações doentias ou alegres, doentiamente alegres, quem sabe; com profundidade tocante, superficialidade ofuscante e todas essas antíteses-não-tão-distantes-assim que não quero continuar a enumerar. Enfim, mosaicos diferentes pra pessoas diferentes, nada de novo até então. Todavia, uma coisa que nunca tinha notado até essa manhã de sábado (ao menos não tão claramente) é que esse mesmo mosaico também é composto de espaços vazios. Na maioria das vezes (arrisco a pensar que talvez em todas) tais vazios surgiram de pedaços arrancados. Das mais variadas formas pode se dar a retirada dos pedaços, seja ela por meio das clássicas proibições às sutis chantagens emocionais que levam você mesmo a se privar do que gosta, do que você é. Talvez retirados às dentadas brutas ou com a precisão cirúrgica que só anos de prática podem dar. Das retiradas conscientes e inconscientes daqueles a quem você mostra os pontos macios do teu mosaico, conscientemente ou inconscientemente. Claro que o que acrescenta (os tais livros, fatos, músicas...) acaba se interpolando nesses espaços, que não foram originariamente planejados pra isso. É dessa forma que aquelas várias tiradas geniais, as correlações bizarramente agradáveis ou surpreendentemente tocantes surgem. Do que escorre, para o que falta. Outra variável aparece então, a capacidade das coisas que você construiu até então de ocupar tais espaços, e criar híbridos de monstros e fadas, nem sempre bonitos mas interessantes toda vez. Obviamente essa "elasticidade" não é algo que você planeja (pelo menos não na maioria das vezes), afinal ninguém pensa ao ler um livro "ah, isso pode me ajudar a compensar em certo grau toda aquela merda na minha família", mas quando você se pega emocionado com algum personagem, ou talvez (por que não?) aprendendo com a situação posta no livro (música, relação, etc) , taí um curativo pro vazio sangrante do teu mosaico. Não, nunca vai compensar. Às vezes quase não se vê as cicatrizes, outras fica evidente o tamanho do rombo feito, mas ainda assim nunca se compensa. Vivemos assim, crescemos assim, aprendendo a se virar entre buracos e todo o resto.



"And I wish there was a way for me to go inside so I could see
All the faces of the people who have torn a piece of me
As I grew from a seed to a tree..."
Seed to a tree - Blind Melon

sábado, 20 de outubro de 2007

Eu e o Zeca

Há muitos e muitos anos, nos tempos da minha pré-adolescência tão cheia de Nirvana, Guns n' Roses, Black Sabbath e afins, conheci o Zeca baleiro. Mais especificamente, conheci a música Heavy Metal do Senhor, em um livro didático de língua portuguesa. Tinha uma estátua de anjo colorida bizarramente ao lado da letra da música. Escutei a música não sei quanto tempo depois,(num cd de uma tia) e gostei bastante. Porém, me recusei a curtir o resto do cd, tão cheio de ritmos proibidos a qualquer pré-adolescente angustiado. Fui tornar a escutar algo dele apenas no segundo ano do colegial, por meio de uma amiga, tão radiante quanto as músicas que em breve me conquistariam tanto. Era (mais) uma fase conturbada na minha vida, e as músicas do cara fizeram o prodígio de conseguir me deixar contemplativa no meio de um monte de merda sendo jogada no ventilador. Notar a poesia nos sons mais populares, ver a língua portuguesa sendo usada com maestria, seja pelas metáforas fodas ou pelo delicioso som dos nossos fonemas brasileiríssimos foi estonteante. E as músicas dele têm me acompanhado nos momentos em que consigo por alguns instantes colocar todo o peso do mundo entre parênteses e me permitir alguns suspiros de vez em quando. Nem sempre elas falam de coisas bonitas e agradáveis, claro. Mas tudo fica bem, bem mais leve. Aos poucos fui conseguindo notar cada particularidade álbum por álbum, da beleza em tons pastéis do Líricas ao chutar de balde do Pet shop Mundo Cão. Sempre me surpreendendo, o querido Zeca. Fui a um show dele em 2006, e ele não só faz coisas belas como é uma pessoa super amável.
Baixei o cd mais recente dele hoje (Lado Z ), e nem pensava que eu iria acabar escrevendo uma resenha sobre ele. Nem sei se pode ser considerada resenha, na verdade. Mas que seja. O cd começa com músicas que vou demorar a gostar, tem várias participações e confesso que achei as letras mais pobres do que o Zeca é capaz de fazer. Vou pesquisar se são dele mesmo mais tarde. Provavelmente a minha história com esse álbum será parecida com a do Vô Imbolá, que escuto raramente e -medo- fico toda dançante. E entre essas músicas dançantes e as tristes que vou ter que escutar com mais cuidado surgiu, pra mim, a pérola do cd. "Roda morta" é o nome da faixa, provavelmente uma homenagem à "Roda Viva" do aclamado Chico Buarque. Nessa música eu vi o Zeca que eu conheço... metáforas fortes, inesperadas, viscerais da forma que eu mais adoro ever.
Depois tem uma faixa com uma mulher, Vanessa alguma coisa. É engraçado que a melodia dessa música é meio brega (o estilo musical mesmo), mas a temática difere do que conheço do estilo.Me lembrou a música 'Olhos nos Olhos" do aclamado Chico Buarque, pelo tom pé-na-bunda-mas-ainda-gosto-de-você que ela tem; Sempre gosto dessas. O cd fecha com uma música engraçada e divertida, chamada "O coro das velhas". Adorável. O cd não está nos melhores pra mim, mas essas faixas que citei entram no ranking fácil fácil. Coloco a letra da Roda Morta aqui, pra quem quiser dar uma olhada.


"O triste nisso tudo é tudo isso
Quer dizer, tirando nada, só me resta o compromisso
Com os dentes cariados da alegria
Com o desgosto e a agonia da manada dos normais.

O triste em tudo isso é isso tudo
A sordidez do conteúdo desses dias maquinais
E as máquinas cavando um poço fundo entre os braçais,
eu mesmo e o mundo dos salões coloniais.

Colônias de abutres colunáveis
Gaviões bem sociáveis vomitando entre os cristais
E as cristas desses galos de brinquedo
Cuja covardia e medo dão ao sol um tom lilás.

Eu vejo um mofo verde no meu fraque
E as moscas mortas no conhaque que eu herdei dos ancestrais
E as hordas de demônios quando eu durmo
Infestando o horror noturno dos meu sonhos infernais.

Eu sei que quando acordo eu visto a cara falsa e infame
como a tara do mais vil dentre os mortais
E morro quando adentro o gabinete
Onde o sócio o e o alcaguete não me deixam nunca em paz

O triste em tudo isso é que eu sei disso
Eu vivo disso e além disso
Eu quero sempre mais e mais.
mais e mais"



Roda Morta - Zeca Baleiro

sábado, 13 de outubro de 2007

Here we go again

Quando me mudei pra cá, eu imaginava coisas diferentes. Não que as coisas fossem mudar subitamente, ou ficar mais fáceis. Mas eu imaginava que pela mudança absurda de ambiente e convívio uma certa facilidade em colocar as coisas em perspectiva , os problemas e os fantasmas um pouco de lado. E, por um tempo, isso foi verdade. Durante alguns meses as novidades eram tantas que eu teoricamente teria toda a base para rever tudo isso. Obviamente, não o fiz. E, enquanto tudo o que eu construía por aqui parecia sem nenhuma rachadura, tudo o que fiz foi olhar fascinada pro sol. Agora, quando as coisas começam a rachar, os defeitos novamente dizem olá e os fantasmas voltaram das férias, percebo que as coisas são bem pouco diferentes. Afinal, muda-se de cidade, de apartamento, de amigos, mas os olhos continuam os mesmos. Os velhos e quebrados olhos, agora com retinas queimadas.
E, paradoxalmente, é nesse reencontro indesejável que começo a reavaliar tudo, e contemplo direito os meus "novos" edifícios cheios de rachaduras. E a beleza deles, em cada pedaço que expõe a fragilidade escondida, é estonteante. O lixo nas ruas de Florianópolis, os problemas na faculdade, os medos e fantasmas de quem admiro, tudo isso os traz para perto de mim de uma forma tão intensa que eu volta e meia insisto em esquecer. E eu sinto finalmente que posso começar a amar isso aqui, de uma forma menos contemplativa e muito mais verdadeira...

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

De precipício em precipício

Às vezes dá vontade de voltar ao útero da ignorância, do conforto, das sensações vazias sentidas pela metade (se é que isso já existiu um dia), ao mundo translacional ao meu umbigo. Quem sabe, nesse passado que insisto em embelezar, as contingências fossem apenas um pouco menos cruéis, e os mecanismos de defesa mais fortes em seu anonimato. Mas é claro que eu não poderia me contentar com isso, e desde muito cedo cedi ao ímpeto masoquista de sentir. De apertar com toda força os porcos espinhos, explicitando, analisando, dissecando meus mecanismos de defesa ao máximo, os pondo de lado ao mesmo tempo que cutuco aquele velho vício de sonhar. Claro que existem períodos em que essas coisas ficam mais desbotadas, e o aqui e agora ofuscante, bonito, feliz, raso e meu preenche minha vida.Um ano e nove meses foi um puta recorde. Que venham as pontadas. Afinal, não sou só eu em mim, e os outros têm espinhos bem afiados.

"Ficou difícil, tudo aquilo, nada disso
Sobrou meu velho vício de sonhar
Pular de precipício em precipício, ossos do oficio
Pagar pra ver o invisível e depois enxergar
Que é uma pena, mas você não vale a pena, não vale uma
fisgada dessa dor
Não cabe como rima de um poema, de tão pequeno
Mas vai e vem, e envenena, e me condena ao rancor
De repente cai o nível e eu me sinto uma imbecil
Repetindo, repetindo, repetindo como num disco riscado

O velho texto batido dos amantes mal amados, dos
amores mal vividos
E o terror de ser deixada
Cutucando, relembrando, reabrindo a mesma velha ferida

E é pra não ter recaída que não me deixo esquecer
Que é uma pena, mas você não vale a pena, não vale uma
fisgada dessa dor
Não cabe como rima de um poema, de tão pequeno
Mas vai e vem, e envenena, e me condena ao rancor
De repente cai o nível e eu me sinto uma imbecil
Repetindo, repetindo, repetindo como num disco riscado

O velho texto batido dos amantes mal amados, dos
amores mal vividos
E o terror de ser deixada
Cutucando, relembrando, reabrindo a mesma velha ferida

E é pra não ter recaída que não me deixo esquecer
Que é uma pena, mas você não vale a pena"


Maria Rita - Não vale a pena

(sim, textos diretos -e piores que o normal- também existem por aqui.)

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Rosas


E, novamente, lá estavam elas: desta vez perto da porta semi aberta do quartinho de lixo seco do prédio, num saco de supermercado. Teoricamente deveriam estar num contêiner de lixo orgânico lá no térreo, mas, novamente, lá estavam elas. Não, não fui eu quem as colocou ali, mas fui eu a recepcionada por elas. Não sei se isso é comum, mas achar rosas agonizantes por aí é algo que acontece com certa frequência em minhas andanças rotineiras. Às vezes uma única no asfalto, às vezes diversos buquês nas mais variadas lixeiras. É como se elas me perseguissem, me obrigando a lembrar que sim, ainda existe poesia no mundo. Ainda que em sacos plásticos, lixeiras, asfalto; Ainda que, sempre, morrendo.

domingo, 9 de setembro de 2007

Feriado

Nesse feriado, após uns dez anos, minha família se reuniu em viagem de novo. É esquisito o misto de sensações que isso passa: o estranhamento ao ver um irmão de barba fechada (e outro careca), a saudade compriida dos tempos de praia, fliperama, das intermináveis viagens de carro e tantas outras lembranças conjuntas. Não que minha família se odeie e não se fale há anos ou algo do tipo, nós apenas crescemos e as viagens passaram a ser algo impraticável nas nossas rotinas. Enquanto conversava com meus irmãos no silêncio da madrugada, um conforto quase surreal invadiu meus pulmões, e várias coisas que eu tinha esquecido vieram à tona, juntamente com algumas bruscas mudanças de prioridade. Fiquei perplexa ao perceber como acontecimentos de dois anos pra cá, que parecem tão eternos e gigantescos se tornam pequenos e efêmeros frente às vivências com quem simplesmente sempre esteve ali. Não que as mais recentes experiências, as novas -e maravilhosas- pessoas que conheci não tenham já marcado a ferro minha existência, mas a percepção disso(aquelas fichas de mil pontos que só caem com o tempo) surgirão apenas depois de algumas décadas. Não sei explicar direito a angústia, felicidade, conforto e vontade de sair correndo que permearam esse final de semana (a sensação é parecida com a que tive vendo O Poderoso Chefão pela primeira vez).

Estuprando uma frase famosa de alguém, eu digo que cada um sabe a dor e a delícia de ter a família que tem.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Bem vinda, Nina.

Essa é a Nina, minha nova filha. A adotei por esses dias,e aos poucos tenho conseguido conquistá-la apesar de todos os traumas pelos quais ela passou. É legal conviver com gatos, eles te forçam a ter um mínimo de pulso (mesmo nas piores crises), senão desprezam mesmo. Um dia ela ainda sobe no meu colo voluntariamente, haha.

Primeira foto que vi dela, pequena, assustada e presa numa gaiola minúscula...
Até ela sair debaixo da cama sozinha demorou...
Agora ela deixa eu chegar perto sem fugir (na maioria das vezes :P)
E até faz manha... (a falta de pêlo na pata foi por causa da anestesia na hora de castrar).

Quem tiver interesse e noção da responsabilidade que é adotar um bichinho que vai conviver com você por até 20 anos entre nesse site, existem vários deles precisando de casa.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

A andorinha e a Cachoeira

Era uma vez uma cachoeira azul. Como toda cachoeira, ela possuía peixes coloridos, água cristalina e musgo nas pedras úmidas por sua constante névoa gelada. Era grandiosa a cachoeira, e todos os animais da floresta a admiravam e apreciavam a forma como ela sempre existiu ali. Era um elemento primordial, a cachoeira. Com seus litros infindos de água corrente, e aquele som constante que entra em nossas cabeças e parece se estabilizar com a corrente sanguínea, criando uma sensação de pertença interessante. Era eterna a cachoeira, e pra sempre suas águas correriam por ali, até o final dos tempos o sussurrar de águas em queda preencheria os ouvidos, mentes e corações dos moradores da floresta e de seus esparsos visitantes.

Todos amavam a cachoeira, menos uma pequena andorinha. Ela tinha inveja de suas águas tão fartas, e odiava saber que a cachoeira iria continuar a existir e ela , com suas penas ralas e bico quebradiço passaria, efêmera. Mesmo se destruísse a cachoeira, a marca que ela deixara nos corações e mentes dos bichos todos a eternizara há muito tempo. Era muito mais que uma simples cachoeira, era um símbolo para tudo o que existe de belo e correspondido no mundo. E a andorinha sabia disso, e invejava ,então, ainda mais a magnânima corrente de águas . Ela queria ter para onde correr como as águas dela. Ela queria ser segura e bela, para que pudesse criar alguma marca no coração e alma de quem quer que fosse.

A andorinha vivia perto da cachoeira, e mesmo a odiando usufruía suas águas e frescor. E odiava mais ainda a cachoeira por causa disso a andorinha, visto que ela era generosa até com ela, com toda a sua mesquinharia e inveja. Odiava saber que não fazia a mínima diferença para a cachoeira, ou para qualquer um dos bichos que fielmente idolatravam a rainha cristalina do vale.

Tanto se remoeu, tanto murmurou e alimentou a mágoa dentro de si que o coração da andorinha foi ficando cada vez mais duro e seco, e a vida da andorinha cada vez mais sem sentido.Todavia, a cachoeira dava-lhe sombra e água fresca, e andorinha não queria sair de perto dela por mais que a simples existência da cachoeira com seu fluxo constante a diminuísse e lhe fizesse mal.

Até que um dia a andorinha resolveu que iria embora. Não se sabe ao certo o motivo, se foi fraqueza ou força o que a fez se distanciar da cachoeira. O que a fez voar para o último lugar em que veria tanta água junta, e tantas almas e corações marcados pelo sussurro onipresente delas. A andorinha seguiu para onde a água era escassa e tão mesquinha quanto ela, e se dirigiu para o lugar onde as areias são mais numerosas que as esperanças. Voou em direção ao deserto, obstinada ainda que um tantinho triste por se afastar da segurança dolorida em que vivia.

Voou, passou por rios e fontes, e os odiou por terem em si, ressonantes, algum vestígio da cachoeira-mãe. Passou por bandos de animais que seguiam o canto silencioso da cachoeira, viu plantas exuberantes e coloridas ao longo do caminho, e as odiou por elas terem em suas folhas as reproduções, ainda que pequenas, daquela bela e incessante voz.

Até que a andorinha chegou ao deserto. Procurou nas areias amarelas e marrons, procurou em todas as pedras e no céu azul infinito, apurou os ouvidos e finalmente não mais ouviu o sussurrar das águas.

Parou para descansar, com seu bico seco e penas ralas, e pela primeira vez na vida ela inflou o peito e soltou um trinado estridente de alegria. Não havia mais a quem invejar! Ela sabia, sabia que esse dia chegaria, quando ela estaria livre da presença que instigava sua inveja.


Mas andorinhas não vivem de sol. No primeiro dia , animada, contente e incansável, ela voou pelos ares secos, quentes e cortantes do deserto. Admirava o sol e o agradecia por eliminar os sussurros de sua vida.

No segundo dia ela voou mais baixo e ficou por algum tempo na sombra das pedras, tentando ignorar a secura de seu bico e as penas que fragilizadas, agora caíam.

No terceiro dia ela fingiu que era normal sua voz desaparecer e a sua pequena traquéia arder.

No quarto dia ela não conseguia mais voar.

No quinto dia ela quis voltar para perto da cachoeira.

No sexto dia ela percebeu que a inveja que ela sentira da cachoeira era algum tipo distorcido de amor.

No sétimo dia ela soltou uma pequena lágrima, ouviu nela o fluir agora saudoso das águas, e morreu.






Seu pequeno corpo foi rapidamente coberto pelas areias quentes do deserto.

Ela não marcou almas nem corações, e não houve quem chorasse por ela.



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Texto velho, porém propício. Ainda gosto dele. A repetição da palavra "cachoeira" é proposital. Queria saber usar aquarelas pra poder colocar no papel as imagens que vêm à minha cabeça quando o leio. Quem (dentre os cinco que lêem isso aqui) souber e não tiver nada melhor pra fazer, pode me dar esse presente.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Everybody's got something to hide except for me and my monkey

E eu me perdia nos cabelos negros como a mais incauta das andarilhas no asfalto mais quente do mundo. E os quilômetros de sensações eram mais do que podia suportar, com todas as suas ondas repetidas em algum padrão marciano bizarro que eu não faço a menor questão de compreender. Tudo se convertia em sensações, e palavras olhavam feias e cheias de dentes tentando interromper o fluxo de incessantes memórias agradáveis. As expulsei dali, com a facilidade de bocas mordidas e todas as suas conotações. Elas tentaram voltar vez ou outra, impregnadas da dicotomia besta na qual cresci imersa todos esses vinte anos; mas o mais leve toque dos seus dedos em minha nuca era o suficiente pra tudo voltar a ser forma novamente, e que se danem as funções.

"The deeper you go the higher you fly
The higher you fly the deeper you go
So come on come on
Come on is such a joy
Come on is such a joy
Come on make it easy
Come on make it easy.

Take it easy take it easy
Everybodys got something to hide except for me and
My monkey."
(Beatles)

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Apartamento e expectativas (e título com cara de tag)

Tenho definido muita coisa esses dias e criado as tão perigosamente inevitáveis expectativas. Um antigo vício, talvez até uma necessidade básica minha, que insisto em manter descaradamente. Mania em quem não se contenta em sentir de menos, acho. O apartamento ainda parece um campo de refugiados, com seus móveis desmontados e pó por toda parte. É uma sensação esquisita chegar em casa e ter o nada esperando; o nada, a poeira e os pedaços de madeira que já foram funcionais um dia. Ter a mim mesma esperando em cada cômodo, com minha cara estampada nas paredes, na bagunça, no lixo. Essa mudança de recepção e percepção estimula tanto otimismo e pessimismo ao mesmo tempo que tudo culmina em um suspiro enquanto tento encaixar a chave tetra tão chatinha quanto eu na porta. E, assim que todos aqueles estereótipos de pessoa morando só começam a contaminar a amostra de imagens aleatórias na minha cabeça, mando todos à merda. Não me interessa comparar inutilmente e deixar de sentir ao máximo cada aspecto novo por aqui: dos banhos de porta aberta às conversas esquizofrênicas, passando por todos os vazamentos de pia e contas atrasadas. Como ousaria eu poluir tudo isso com comparações bobas? Acho que experiências no mínimo interessantes acontecerão sobre esse piso de madeira manchado. :)

sábado, 14 de julho de 2007

Mais um post pretensioso.

Hoje, vendo clipes de Faith no More no youtube (céus, quero meu hd com os álbuns deles de volta argh.), lembrei de algumas conversas que eu tive com o Loocas sobre os anos 90. Apesar de ter nascido no final dos 80, não me considero nem um pouco um fruto dessa década tão absurdamente colorida e dançante. Em parte -obviamente- por não ter vivido na minha pré-adolescência e adolescência tudo que é tão alardeado por aí. Meus maiores contatos com os anos 80 vieram de intermináveis sessões da tarde e muitas tardes ociosas levadas a biscoitos recheados e suco de caju -um viva pras crianças obesas-, não de influências musicais e quase nada de vestimentas. Pensando agora nos anos 90 (céus, tô ficando velha) me identifico muito mais. Excesso de informação, boom da internet, o crescente sentimento de foda-se generalizado... E pensando nisso resolvi fazer mais um daqueles posts pretensiosos de quem deseja definir em poucas palavras algum período de tempo. Devem existir pelo menos dois desses pra cada usuário da internet, mas foda-se.
O que pegou mesmo nas minhas divagações foi o contato com informação. Ou melhor, com o excesso dela, e a influência disso. Analisando as décadas anteriores à minha, a impressão que tenho é que nelas uma série de aficcionados surgiram, e independentemente do objeto de interesse, o frisson (aumente aqui meus pontos de bicha em 10) era comum em todas as áreas : do doente que sabe klingon ou élfico aos milhares de covers, sósias, etc. Daí veio o já citado excesso de informação, e ficamos simplesmente sem tempo pra nos aficcionar à qualquer coisa. Início? Anos 90. Como tudo isso começou nessa década (e se intensificou ao final dela), nós ainda herdamos algum frisson (20 pontos), e a informação até que serviu para deixarmos ainda mais apurados os gostos, curiosidades, coleções. Isso tem se perdido cada vez mais. Percebo isso à medida que envelheço, com a preguiça enorme de me prender a um tema, banda, estilo musical. Isso mesmo, preguiça. Afinal, sempre podemos deixar pra mais tarde aquelas cinco mil discografias que baixamos no emule, não? Isso fica muito, muito mais evidente quando perco algum tempo de contato com a internet (o que ocorre mais ou menos uma vez por ano), e há uma pausa temporária no fluxo absurdo de informações. Então, meus interesses germinados antes do ponto de saturação de informação têm algum tempo pra crescer. Agora com a mudança e consequente afastamento temporário da web eu provavelmente poderei ler mais um pouco, prestar atenção nas últimas cinco bandas novas que conheci, quem sabe desenhar alguma coisinha e aprofundar algumas teorias. Ou quem sabe eu arrumo uma lan house.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Mudanças físicas e estagnação mental

Enquanto o dia escorre viscoso e espero a visita de um possível comprador das tranqueiras das quais necessito me livrar, justifico superficialmente o tempo perdido com estudos escrevendo um texto aleatório. Tenho pensado bastante nesse apartamento, agora que irei sair dele. Conduta típica, sempre idealizo qualquer coisa ou pessoa quando existe a iminência de sua perda, e o pedaço de montanha (ou seria um morro? foda-se, é verde) que vejo de minha varanda, juntamente com a senhora que costuma passar os finais de tardes em um estupor contemplativo, o casal com um bebê que sempre toma banho às sete da noite e a estranha coruja de palha do apartamento em frente ao meu inspiram certas tendências nostálgicas. Contanto que esse tipo de atitude não atrapalhe futuras mudanças cruciais (tais como o fim de amizades antigas devido a ações imperdoáveis), tá tudo certo. Querendo ou não minha inspiração se alimenta dessa saudade antecipada, talvez até mais do que a maldita saudade presente, tão fria, voraz e destruidora até destas parcas tentativas de expressão.
Não tenho lido o Changeling, já que o desespero do final de semestre e a mudança comem meu tempo com um apetite assustador. Detesto a sensação das responsabilidades "adultas" sufocando minhas tentativas de ver o mundo com outros olhos. Apesar de algumas coisas me lembrarem os conceitos do livro (tais quais a música Panis et Circenses dos Mutantes), e lapsos de histórias de vários possíveis personagens surgirem ao longo do dia, minha mente tem se concentrado em conteúdos muito mais cinzas e angulosos (Quem dera fossem cenários da Tecnocracia , e não estatística e conceitos de teorias psicológicas). Talvez nas férias eu tenha tempo de me resolver com as cores, em meio a amigos (cada vez mais esparsos), família e a retirada temporária da preocupação com o que não vale a pena.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Um conselho

Nunca, nunca, eu disse NUNCA junte final de semestre com mudança de casa. E tenho dito.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Changeling, nostalgia e surpresas.

Fazer um blog me fez dar uma rápida olhada nos outros pedaços de mim que tenho deixado em bytes por aí. E, após tanto tempo de breves períodos de inspiração mergulhados numa apatia crescente, saiu mais um texto. Influência do livro de rpg que ganhei no meu agora já tão distante aniversário? Ou seria empolgação com mais um rastro virtual? Talvez uma preocupação narcísica em me ver estampada em lugares não tão cotidianos assim...Provavelmente tudo isso junto.
O dito livro de rpg que tenho lido chama-se Changeling: O Sonhar. E a inspiração que paira sobre esse título é muito anterior aos meus vinte anos, e começou de forma aleatória em 2005, através de e-mails impressionantemente não spamzentos no orkut. Quem me iniciou nesse sistema nem perfil tem mais, doce ironia. As conversas agora são esparsas e raramente os devaneios nelas ultrapassam nossos tantos relacionamentos. Por causa dessa iniciação, Changeling adquiriu uma 'aura' de mistério antes mesmo de eu virar sua primeira página, e o conhecer por meio de relatos (na época) tão intensos já deu o brilho 'glamouroso' -terminologia changelística só aprendida muito depois- de que necessitava e necessito para divagar mais profundamente. Qual foi a minha surpresa ao tê-lo em minhas mãos alguns anos depois, muitos quilômetros depois, muitas e muitas mudanças depois! Às minhas mãos que já achavam ter abandonado o mundinho encantado do roleplaying game (ah, tolinhas). É um belo livro, com ilustrações agradabilíssimas que contribuem para o clima feérico da coisa. E eu sempre ficarei abismada com a minha capacidade de viajar toda vez que abro um livro da White Wolf, mesmo já detectando suas formulinhas pra criar mundos aleatórios, haha. Em breve (medo de fazer essa promessa) desenhos, contos e, quem sabe, (finalmente!) uma campanha seja parida das minhas entranhas. Afinal, o primeiro livro próprio de rpg a gente nunca esquece.

domingo, 1 de julho de 2007

Olha só.

Após anos de negligência aos meus escritos, seja colocando-os em segundo plano a alguma foto ou desenho, seja os escondendo na gaveta mais funda ou em pilhas de xerox da faculdade, olha só, cá estou eu fazendo um blog.
Nunca tive a pretensão de achar que meus pensamentos aleatórios valiam por si só... Acho que isso mudou. Inauguro pois o primeiro blog da vida após tantos anos de internet e trocas de idéias por meio das mais variadas formas. Não sei se isso aqui vai durar, mas a vantagem(?) é que se eu passar alguns anos sem postar ele continuará aqui, então que seja.
O nome do blog é um trocadilho infame com minhas aulas de anatomia (RIP), uma das poucas informações sobre os campos funcionais do córtex cerebral que ainda restam no meu córtex cerebral. O giro pós central é responsável pelas sensibilidades em geral. Obviamente, isso se refere a receptores de estímulos externos e o caralho a quatro, não à maldita sensibilidade excessiva que povoa minhas crises. Mas que seja, fica registrada a piadinha até conseguirem imprimir toda a internet e eu poder apagar o que tenho por aqui.